ONDE ESTÁ O MEU TERCEIRO NATAL?
É curioso como quando temos insónias vêem à memória os mais diversos pensamentos. E como estamos a chegar ao Natal, as minhas reflexões voavam para os locais onde passei os Natais da minha infância, juventude, mãe de família, avó e bisavó. E de súbito notei que havia um certo vazio nos Natais que eu recordava: em casa do tio Henrique com parte dos filhos reunidos em torno da avó Maria a viver em Cristóvão; em Braga com a família toda junta; em casa do tio Humberto quando a avó Maria regressou a Lisboa. Onde se enquadrava o meu terceiro Natal?
Ser idoso não tem só desvantagens. Pelo contrário, a memória afina e rapidamente faz uma busca nos mais ocultos lugares da mente. Lembrava-me de nos reunimos pela primeira vez depois da morte do Avô Ferreira, em casa do tio Henrique teria eu quatro ou cinco anos. Os acontecimentos apareciam tão vivos na minha memória que os recordava como se estivesse a reviver aqueles momentos: a avó Maria a fazer as filhoses, eu e Fernanda a brincarmos na Casa Grande, onde o tio Henrique guardava coisas maravilhosas, como a pequena balança de cobre; o alegre palestrar dos mais velhos, os cheiros bons que vinham da cozinha.
Mas onde estavam na minha memória os Natais do meu primeiro,segundo,terceiro ano? Eu sabia que antes do avô Ferreira falecer as Festas eram passados no Casal da Cerca e como quando ele morreu eu tinha pouco mais de dois anos, era natural que os tivesse passado lá, com toda a família. Mas o terceiro Natal? O Natal em que a avó Maria já viúva, continuara a viver no Casal da Cerca com o tio Zé e a Tia Adelina, o Natal em que a Família se dispersara um pouco, sem festa e sem alegria? E de repente preenchi o vazio que me faltava: Sintra!
Sintra onde o marido da tia Gracinda, o tio Abílio Morais duplamente milionário, pois pela morte dum tio herdara todos os seus bens incluído um próspero negócio de ferros e arames e um bilhete para a taluda do Natal que acabara por sair premiado. Comprara um palacete em Sintra, onde viviam com o Luís das Gaiolinhas, uma cozinheira,criada de fora, jardineiro e motorista a quem chamavam Luís Preto e onde nós, pai mãe e filha passávamos largos períodos. Parece incrível como as pessoas de idade recordam com todos os pormenores o passado e esquecem os mais recentes acontecimentos do dia-a-dia. Lembrei-me perfeitamente desse Natal, com a minha madrinha e tia a deitar-se comigo a dormir a sesta (para eu estar esperta para a Missa do Galo) do padrinho Abílio a ornamentar a Árvore de Natal na tarde da véspera da Natividade segundo o hábito da terra dele, do jantar da consoada com tudo quanto lhe competia, menos os doces guardados para a Ceia, de todos começarem a agasalhar-se para partir para a Missa do Galo do meu fofo casaquinho de pele de coelho e da touca guarnecida com a mesma pele e partirmos para a igreja onde eu conseguia ouvir até ao fim a Missa de Festa, encantada com as luzes, com as pessoas que mal ou bem (eu achava que muito bem) cantavam animadas e sobretudo com o repicar final dos sinos que ecoavam por toda a vila. Já não recordo tão bem a ceia, ou melhor recordo-me de ir para a cama pois os presentes só apareciam no dia seguinte junto da lareira da casa de jantar. Ou então adormeci finalmente, feliz por ter encontrado o meu terceiro Natal
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