COISAS GRANDES, COISAS PEQUENAS

Sempre que uma jovem das minhas relações e principalmente uma das minhas netas, se casa lembro-me duma conversa que tive com a nossa Avó, faltavam alguns meses para me casar.

A Avó Maria, falava muitas vezes com pequenas parábolas domésticas. Não era uma mulher iletrada, mas era incapaz de ornamentar as tais conversas com floreados de linguagem. Nunca esqueci as suas palavras,simples.directas, mas 60 anos depois recordei-as ao meu modo de sentir.

Dizia-me que o amor…não! Jamais ouvi a avó pronunciar a palavra Amor. Para ela, educada desde criança dentro da mais rígida cultura judaico-cristã, essa palavra devia ter, talvez inconscientemente, um sentido de libertinagem e maus costumes impróprios duma família decente. Nunca entendi se ela e o avô se amaram, isto é, se o prazer na cama se combinava com a harmonia doméstica que reinava entre eles. Como tiveram 4 filhos é certo que mantinham relações. Mas creio que para o avô era o seu direito de marido e para a Avó um dos seus deveres de esposa, tal como cuidar da casa, dos filhos, das galinhas e dos coelhos ( dos porcos e dos cavalos era o Zé Vineta que tratava),fazer o pão e na época da fruta os doces caseiros.

Quando se referia ás relações entre as pessoas dizia-me que a Amizade é uma coisa muito Grande, mas deve ser composta por muitas Coisas Pequenas: o respeito pelos desejos das outras pessoas, permitindo- lhes a liberdade de serem o que eram verdadeiramente,pela tolerância para com os seus defeitos, pela paciência por aquelas atitudes que consideramos erradas.

Embora este diálogo servisse para todas as pessoas, naquela altura referia-se em especial à convivência de dois seres que vão viver juntos. E quando eu argumentava que esses defeitos, essas atitudes, essa liberdade que exigiam podia ser muito aborrecida para o outro parceiro, ela retorquía que é para isso que serve o namoro, que deveria ser suficientemente longo para os dois se conhecerem bem. E acrescentava uma lição que eu deveria ter aprendido melhor:-Quando alguém se liga a outra pessoa, não se liga apenas a essa pessoa, mas sim a toda a sua família. Porque foi no seio dessa família que foi educado/a, que aprendeu, mais pelos gestos e pelas palavras que viam e ouviam do que por conselhos que possam ter recebido, que é da família que lhes vêm os genes, as tendências para o mal e para o bem. É pelo exemplo, pelo respeito, pela consideração com que os pais se tratam que eles serão homens e mulheres capazes de esquecerem egoísmos e desejos pessoais a favor da pessoa a quem querem bem. Coisas Pequenas, são um elogio por um trabalho bem feito, é o carinho de trazer uma flor, de dar um presentinho mesmo pequeno a alguém que estimamos, é deixar de ver um filme que gostamos para ir a concerto que não apreciamos muito, é saber ouvir em silêncio alguém que precisa de ser ouvido, é emprestar um lenço para secaram umas lágrimas que caiem no ombro do nosso casaco.

Na altura, porque era jovem, pouco conhecedora da vida, e estava encantada com o meu Sindbad do século XX,que me parecia diferente de todos, não compreendi nem meditei naquelas palavras. Só muito mais tarde vi como ela estava certa, que aprendera certamente com gerações de homens e mulheres simples, gente do povo, com os pés bem assentes na terra, que sabiam que os primeiros arrebatamentos dum casamento passam com a chegada dos filhos, dos problemas que surgem, com a convivência diária O sucesso de um casamento exige mais do que declarações românticas. Sabiam que a única coisa que conta é a realidade que os cercava, e apesar disso, tenho a certeza que muitos jovens daquele tempo se amaram ternamente e foram felizes paea sempre como nos contos de fadas.

Viver em paz com os outros, especialmente com uma pessoa com quem vivemos na maior das intimidades, de quem a pouco e pouco vamos conhecendo os defeitos e qualidades ajustar-se a essa situação, usando a balança da verdade, exige não só bom senso como dominar com perfeição o egoísmo e a prepotência natural que existe em nós. Uns conseguem, outros e cada um seguirá o seu rumo. Se a Avó Maria tivesse lido Óscar Wilde,ter-me-ia respondido, quando eu lhe disse:- então a Vida é muito difícil.” Ninguém pode queixar-se da Vida. Apenas podemos queixar-nos da maneira como a vivemos.”

É claro que nunca falei deste conselho da Avó Maria às minhas netas Marta e Sara, à Magui que eu amava ternamente, à Nana e à Lizi que vi crescer junto com os meus filhos. Por experiência própria pressentia que seriam inúteis.Os jovens pensam sempre que os velhos são intrometidos e têm a mania de dar conselhos

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