O MEU PAI
Ao escrever no blogue da família sobre o meu pai, na continuação dos apontamentos sobre “Os filhos do avô Ferreira” verifiquei como era difícil falar dele nessa condição.
Para mim ele sempre foi o Pai e não consegui dar a imagem correcta do que ele foi como Filho, como Irmão, como gerente dos seus negócios, como Homem Quando as pessoas nos são muito próximas e muito queridas, é difícil ser claro e imparcial.
Durante a minha infância e adolescência foi o mais maravilhoso dos pais. Jamais me repreendeu com dureza ou me criticou com intolerância.Talvez por saber que para fazê-lo, lá estava a minha mãe.
Fomentou em mim, através do seu exemplo, o gosto pela leitura, e jamais impediu o acesso à sua “biblioteca” composta pelos autores portugueses e brasileiros os seus preferidos, e alguns estrangeiros, mas quase todos antigos: Charles Dickens, Eça, Camilo, Bocage, Alexandre Dumas, alguns russos Tolstoi Aleksandre Pushkin. Puskin era aliás o único poeta que figurava na nossa mini biblioteca.
Quando o criticavam por colocar sem controle essa literatura à minha disposição, dizia que aquilo que eu entendia, não adiantava proibir-me de ler. O que não percebia ou perguntar-lhe-ia ou passava à frente sem interesse ou prejuízo .
Ouvindo os seus discos, Óperas italianas, Gardel, Strauss, Glen Miller, guitarra portuguesa, assim tudo misturado, aprendi a gostar de música tanto como de ler. E graças ao hábito, mais mundano que cultural, de fazer parte do Circulo de Cultura Musical” íamos sempre aos espectáculos que essa instituição proporcionava, não só em Braga, mas com muita frequência ao Porto. E aí e a conviver com pessoas que gostavam realmente de música, aprendi muita coisa.
Levava-me com ele nas suas viagens de negócios às Terras Altas do Barroso uma região fria, agreste, mas tão vasta e silenciosa que era diferente de tudo o que eu conhecia do país ;mas fazia-me notar como aquelas pessoas aparentemente rudes,quase primitivas eram sãs. Ali, a palavra dum homem e um aperto de mão, selava um contracto. À medida que os anos foram passando,descobri que ele fazia tudo isso naturalmente, sem qualquer intenção de influenciar-me.Lia porque gostava de ler e pouco lhe interessava o que eu lia. Sabendo que só tinha em casa excelente literatura portuguesa achava que isso só ajudaria a cultivar-me. Gostar de ouvir música não fazia dele um musicólogo e hoje estou convencida que frequentar o Centro de Cultura Musical, fazia parte do seu estatuto social.Fazia tudo isso sem nenhum sentido de doutrinar-me. Certamente que gostava que eu lesse, que trocássemos opiniões:gostava de ouvir-me tocar o Mercado Da Pérsia ou as Czarda, de Monti, mas nada sabia sobre os meus estudos de piano.E nunca seria capaz de me impor coisa alguma. Tratava-me como uma pessoa crescida, mesmo quando eu tinha 13 anos, como uma companheira uma amiga.
Passados tantos anos, pensando em tudo que vivi junto dele, em tudo o que aconteceu depois, compreendo que fui exactamente isso para ele: uma companheira, uma amiga mas não uma filha. E embota continuando a amá-lo, não posso deixar de sentir uma grande mágoa pelo pouco que se interessou por mim como pessoa. Mas reconheço que esses sentimentos dos pais, desejosos de satisfazerem os filhos sem cuidarem deles como das pessoas que virão a ser, continuam a existir.E nem lhes oferecem a profunda e cumplicie camaradagem que o meu pai soube dar-me.
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