NÓS E OS NOSSOS PAIS
Acabei de ler um livro estranho: “Frases curtas, minha querida” de Pierrete Fleutaux Achei a escritora um pouco mórbida com as suas preocupações sobre os sentimentos da mãe no seu caminhar para o FIM,mas os seus pensamentos são muito claros e objectivos. Não sei se é o relato de factos reais,mas as conclusões são o mais objectivas possível.E lendo-as,verificamos que todos nós, Filhos com metade do percurso da vida concluído,já as experimentamos,pelo menos segredo do nosso espírito.
Há um aspecto da vida dos Pais que os filhos se recusam a encarar abertamente, embora a partir de determinado momento ele esteja presente e seja quase constante. Especialmente quando os filhos se aproximam ou ultrapassem os sessenta,o que significa que os pais se aproximam ou ultrapassam os oitenta. E aí não há muita margem para ignorar que o tal momento se aproxima cada vez mais depressa.
Por motivos de tradição, de amor, pensam nele com mágoa, com tristeza como uma antecipada privação. Mas esses sentimentos ainda são flutuantes, vagos; afinal os entes queridos, ainda estão ali, senhores dos seus destinos, levando uma vida bastante saudável, mantendo as suas relações com gente do seu tempo, gente cujos filhos ,tal como os deles, dão- se ares de indulgente compreensão, cujos netos têm hábitos que embora eles não comentem são difíceis de aceitar. Até certo momento está tudo bem: cada macaco no seu galho e os contactos que mantêm exigem apenas um pouco de tato, alguma paciência e podem até não ser muito frequentes.
Mas de súbito,eis que começam a notar algumas coisas perturbadoras nos "Velhos" :estão mais esquecidos, algo incoerentes,tornam-se repetitivos com as velhas histórias que os filhos sempre ouviram, e começam a rezingar um com o outro mais do que habitual. Já não se movimentam tão bem e de vez em quando usam subtis desculpas para não comparecerem às festividades familiares, o que por vezes, significa manhosamente:se querem que eu vá, venham-me buscar.
Eis que surgem os tais sentimentos clandestinos, quase envergonhados, mas reais.Finalmente têm que os assumir e o pior de tudo, terão que fazer uma escolha: Qual dos pais será melhor partir primeiro? Qual deles dará menos preocupações,menos trabalho perturbará menos o dia a dia dos filhos? Como agir com o sobrevivente? Debruçados sobre o problema, tentam encontrar soluções para ele. Mas navegam em mares que desconhecidos, porque embora pensem conhecer muito bem a personalidade de ambos, os seus defeitos, os seus dons, as suas caturrices, nunca penetraram verdadeiramente no mundo em que eles vivem desde que começaram a envelhecer.
E esse mundo pode ser cristalino, manchado apenas com pequenas manias ou enfadonhas memórias do passado (e as memórias para os velhos são mais reais e consoladoras que o próprio passado) ou ser tenebroso e transformar um velho na coroa de glória do Diabo,com a sua maldade calculada, a sua habilidade nata para infernizar a vida de quem o rodeia,.
Há PAIS e pais, há VELHOS e velhos. Sejam eles como forem ninguém escolhe os pais que tem, como diz a minha filhota.
E dentro desta situação, Filhos Velhos e Pais Velhos, há vários cenários: existe aquele onde uma situação financeira desafogada permite instala-los num bom e confortável lar, situação que eles próprios, por vezes, muito sensatamente preferem. Viver com os filhos, mesmo que estes tenham disponibilidades de afecto, instalações e pessoal para os cuidados necessários, significa sempre abdicar da nossa privacidade e partilhar a intimidade dos outros.Existe o cenário raríssimo,dos filhos heróis,que sobra-lhes em amor e paciência o que lhes falta em espaço, meios financeiros e ajudas E por ultimo o cenário tenebroso e frequente em que não há afecto, possibilidades financeiras,espaço,paciência. em que cada membro da família envolvido na sua luta diária do receio de perder o emprego, transportes cansativos que lhes roubam horas de descanso, problemas com os filhos, problemas com os Pais,conflitos entre marido e mulher que se acusam mutuamente do encargo que os velhos representam.conforme os pais sejam dela ou dele.
Esses não têm tempo para meditarem sobre o que farão com os Pais. Querem simplesmente que eles morrem depressa
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