O DIA DE CASAMENTO
Há muitos anos que deixei de me lembrar do dia do meu casamento, como uma data de felizes recordações. Mesmo que o casamento seja uma lua-de-mel perpétua," até que a morte nos separe", para a noiva o tal dia é sempre uma estopada
A noite que o antecede é atafulhada de preocupações: se o vestido não assenta bem; se o noivo chega atrasado; se ele própria vai atrasar-se (o carro pode ter um furo); se o padre morre; se ela estiver agoniada; se tropeça no vestido; se as meninas do véu o puxam e ele cai. Quando finalmente consegue adormecer logo toca o despertador para as abluções matinais.
Aí entram as pessoas com sábios conselhos: come muito bem, para não te sentir fraca durante a cerimónia; não comas muito, podes sentir-te mal. Em seguida, a primeira parte da virginal toilette, que, no meu tempo, era mesmo virginal. Não aos decotes, às mangas curtas e se o vestido era de renda, levava corpete e saiote de tafetá morèe.Seguia-se os malfadados sapatos de salto alto, finalmente, a tortura final: o Véu, mais o diadema que o prendia.
Tudo isto era temperado pelo prazer de nos vermos no espelho com um lindo vestido, bem penteadas, vaporosas, mas não o suficiente para o véu deixar de nos incomodar, os sapatos magoarem um bocadinho e continuarmos a pensar como nos iríamos mover aqueles metros de cauda, mais o véu, que ao entrar da igreja tinha que estar sobre o rosto.
E finalmente os últimos beijinhos de solteira. Felizmente a minha mãe, que era uma senhora muito prática achou que beijocar-me iria amarrotar o vestido, deslocar o véu e limitou-se a um beijo leve e a dizer-me:-Tem juízo. Mas com o meu pai foi bem diferente. Ele não resistiu a abraçar-me a chorar e eu fiz outro tanto. Mas outra vez a minha mãe resolveu a situação com um: -deixem-se de pieguices. Ela não vai para freira. Depois disto ninguém mais se atreveu aos beijinhos e eu lá parti, descendo as escadas, entrando no carro sem qualquer percalço. Mas o resto do dia não foi menos maçador. Almoço, discursos, ronda pelas mesas dos convidados e finalmente a troca de vestido e a partida.
A melhor recordação que conservo do dia do meu casamento,é o momento em que já no carro a caminho de Lisboa, o enorme prazer e alivio que senti quando descalcei os sapatos
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