AS TERMAS NA DECADA DE 40
Quando conto aos meus netos coisas do meu tempo eles olham-me entre divertidos e pesarosos, de tal modo lhes parece estranho o modo como as avozinhas gozavam a juventude. A minha, isto é, o tempo que vivi em Braga, entre 1941 e 1952, pouco tem em comum com as jovens da mesma idade, mas de Lisboa. Havia uma diferença abismal entre a capital e as províncias. E mesmo nas províncias, havia entre elas diferenças de hábitos e costumes.
Em Braga, a vida era rigorosamente planeada. Em Julho e Agosto partiam para as praias: Póvoa do Varzim, Vila Praia de Ancora, Moledo do Minho. Em Setembro era a emigração para a Casa da Aldeia, não só para gozarem dum ambiente muito Júlio Dinis, como para tratarem das vindimas. Nós, como não tínhamos casa na aldeia, em meados de Julho partíamos para Moledo do Minho, onde ficávamos até fins de Agosto e em Setembro, a minha mãe e eu, demandávamos as termas do Gerês. para a minha cura de águas
Entre o Gerês que eu recordo desse tempo, 1942/49 e o Gerês actual, não há qualquer semelhança. Naquela altura, a Família jamais se separava, o que quer dizer que, se a mãe ou o pai precisavam de uma cura de águas, os filhos acompanhavam-nos. As regras sociais estabelecidas eram para serem seguidas por toda a gente, incluindo as crianças. E para quem se instalava num dos hotéis, havia o ritual das toilettes: “roupões para “banhos”, saia, saia-calça ou calças e blusa para o “beber e passear as águas” (espaço de tempo entre as três” tomadas” das águas, que deveriam ter um intervalo de 30 minutos).Nesse intervalo as pessoas passeavam para cima e para baixo na rua principal da aldeia; finalmente para o almoço, uma blusa mais requintada, acompanhada de casaquinho de malha. Depois da sesta, um vestido mais caprichado. Se não havia qualquer função,tombola,espectáculo de ilusionismo baile no Hotel do Parque,também servia para a noite. Mas se algum dos eventos mencionados se realizava, eram imprescindíveis dois ou três vestidos mais elegantes.
O aparato do vestuário estava relacionado com a categoria do hotel. No Grande Hotel do Parque, que possuía piscina e salão de música, onde quatro músicos alegravam as “Soirés” instalavam-se as pessoas de grandes posses e de maior categoria social Para o “Hotel das Águas” ia a burguesia, comerciantes, profissões liberais, prósperos agricultores e brasileiros, não os naturais do Brasil mas aquela típica camada social, que o nosso povo assim alcunhou. No Hotel das Águas, não havia piscina nem salão de música: havia um bom piano, tocado por “voluntários” para a gente nova dançar. No Hotel Universal, olhado pelos hóspedes conservadores dos outros hotéis, como demasiadamente avançado, alojavam-se jornalistas, escritores conhecidos por serem contra o governo, novos-ricos gerados pelo volfrâmio e pelos negócios turvos que a guerra proporcionava, mulheres e homens divorciados. Aí não havia tômbola, dança ou ilusionistas, mas existia um salão onde, semanalmente, armavam uma tela e passavam um filme. E havia mesas de jogo, onde se jogava inocentemente o king, a sueca e o sete e meio, cujas fichas mais tarde se transformavam em dinheiro, num segredo de polichinelo.
Os 14 dias da cura eram passados plácida e rotineiramente.
A manhã, para quem “ fazia a cura”era ocupada com as águas, os banhos e as massagens. Os acompanhantes, estagnavam nos quartos ou nas esplanadas dos hotéis, lendo os jornais. As tardes eram mais animadas. Depois da sesta, as Senhoras faziam crochet, tricot e as mais prendadas, complicadas trabalhos em meio ponto ou ponto cruz. Havia sempre uma disfarçada competição entre as damas, cada uma tentando apresentar o trabalho mais bonito. Os cavalheiros reuniam-se a jogar ou a conversar sobre as respectivas profissões. A gente nova, que nas termas gozava duma grande liberdade de convivência entre sexos, partia em "burricadas" até às “Cavalariças” ou em passeios ao “Banco do Ramalho” assim chamado porque segundo a tradição, Ramalho Ortigão tinha ali escrito algumas das suas prosas. Ou então, o bando em peso dirigia-se ao Parque e ia remar no grande lago artificial. Há uma explicação para este convívio sem vigilância entre rapazes e raparigas. Uns e outros eram filhos de famílias conhecidas, que frequentarem as termas na mesma época há bastantes anos e os rapazes da altura, tratavam as raparigas como gostariam que lhes tratassem as irmãs. O que não quer dizer que não se arranjassem namoricos de passagem, que não houvesse por vezes uma troca de beijinhos.
À noite, se havia cinema (uma vez por semana) lá íamos, sendo o filme interrompido por 15 minutos para cada um ir tomar o Chá ao respectivo hotel. O que tínhamos que fazer a correr, porque o filme terminava antes das onze, hora a que a Central Eléctrica fechava as luzes, deixando todo o Gerês com luz de emergência, velas ou candeeiro de petróleo Quando não havia cinema, juntávamo-nos no Hotel das Aguas que tinha piano, e os voluntários tocavam para os outros dançarem. Normalmente a voluntária de serviço era eu. Como não gostava de dançar, não me importava muito. Além disso, tinha sempre um amável cavalheiro a virar-me a páginas da musica e a dizer-me como eu era gentil em tocar para os outros.
Além dos filhos, noras e netos, havia na comitiva um secretário, uma Preceptora
Num local onde nunca acontecia nada de imprevisto, este grupo de mulheres e homems elegantemente vestidos,transportados em quatro carros que raramente se vian por aqueles sitios,aquelas crianças bonitas e tão bem vestidas como os pais,aquele secretário de fato e gravata que mais parecia uma tábua de tão rigido,era de facto um espectaculo digno de se ver
Além disso,a chegada de tão augusta personagem era também sinal que iriam começar as numerosas “galas de caridade”que ele organizava e para as quais contribuía,( e fazia que os outros contribuissem) generosamente, com os seus leilões à americana, danças a prémio,recitais de poesia e canto pelos hospedes mais dotados, tudo coisas bem mais divertidas que os nossos modestos divertimentos .Eram assim as termas em Portugal nos anos 40.
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