PERDER AMIGOS


Uma vez escrevi no blogue “A verdadeira tristeza do envelhecer, não está nos anos que nos vão aproximando do fim, não está na distância que vamos sentindo entre nós, os filhos, e os netos, apesar da amizade que sintamos uns pelos outros, na amargura de partirmos sem ver crescer os bisnetos. Não está sequer nos achaques próprios da velhice, que por vezes nos incomodam.
A verdadeira tristeza está nos amigos que vamos perdendo”

A palavra PERDERr, no contexto, queria dizer, amigos a quem a morte levou.
Mas há duas semanas, aprendi que existe algo muito pior que os nossos amigos partirem primeiro que nós E quando falo em AMIGOS, falo daqueles que foram nossos amigos de infância, amigos que o casamento nos trouxe, amigos que fizemos em circunstâncias felizes e mantivemos. AMIGOS que nunca nos faltaram quando precisamos deles, que partilharam os nossos momentos de alegria e momentos de aflição.

O Francisco, faz hoje,86 anos.Conheço-o há 51.Foi colega do meu marido na Escola Industrial, na Escola Náutica, no Mar, e quando ambos desembarcaram para ficarem a trabalhar nos Serviços de Terra da mesma Companhia de Navegação onde tinham andado embarcados, as nossas relações fortaleceram-s e eles transformaram-se nos irmãos que nem eu nem o meu marido tivemos. Foram nossos companheiros de campismo, de farras, de Passagens de Ano e Pascoas passadas no sul ou no norte de Portugal. Fomos visitas constantes uns dos outros quando nós morávamos no Cartaxo, uns tios muito amados dos meus filhos. Amigos que nunca nos faltaram em épocas más da nossa vida, com a sua presença, o seu apoio constante. Presenças indispensáveis nos casamentos dos meus filhos, nos aniversários dos meus netos, e quando foram viver definitivamente para Espanha era uma alegria para mim passar uns dias na “Pensão Gaivota”,como chamávamos à casa deles em Vigo.Ultimamente, porque a idade não perdoa e pjá não possuimos a facilidade em nos movimentar para longas distâncias, todos os anos passava com eles uns dias na Cúria.

E agora, ali está ele, mais corpo que espírito, pois nem sabemos bem o que ele pensa, , não nos pode dizer o que sente, o que quer, vitima dum derrame cerebral que faz dele ainda menos que uma criança. E assim, dum momento para o outro, sem nada fazer prever que ia acontecer, ele que nem sequer era um doente do ,de alto risco.

Além do desgosto que senti,cada vez penso mais na atitude que deveríamos tomar perante a Vida / Morte. Principalmente nós, os que estamos na recta final, quase a completar a viagem começada no dia em que nascemos. Esperamos sempre que ela dure um pouco mais e esperamos principalmente que esse momento seja doce e inesperado. Quando estive no hospital, a minha vizinha de cama, todas as noites dizia esta frase que suponho ser uma espécie de prece. ”Senhor, se eu morrer dormindo pega na minha alma com carinho e entrega-a ao meu Criador”

Na minha idade, aprendi que, cada manhã em que posso contemplar o dia que nasce, é um bónus que devo agradecer vivendo-o com prazer em completa paz comigo e com os outros. Nem sempre o consigo é verdade. Sou pouco paciente e continuo egoísta, pensando demasiado em mim, nos meus agravos ou comodidades. Mas tento lembrar-me como são estéreis tais atitudes.

Pensava estar mais ao menos preparada para esse final que nos espera a todos. Quanto mais tarde melhor, é evidente. Mas para isto que aconteceu aos meus amigos, não estava. Pensar no Francisco que eu conheci e pensar nele agora, inteiramente dependente, naquele estado que nem é morte nem é vida. E pensar na sua companheira de tantos anos,vivendo este drama todos os dias,a todas as horas,alternando entre a esperança e a certeza que a esperança não existe.
Não, para isto, ninguém está preparado.

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