EM DEFESA DA VELHICE
Resolvi meditar sobre a VELHICE, não sobre os que a enfrentam, mas sobre a VELHICE em si, essa época da vida que todos alcançaremos, a não ser que um acontecimento inesperado o impeça.
Mas o que é a velhice e quando chega? Envelhecemos quando deixamos de nos interessar pelo que nos rodeia, quando achamos inútil aprender algo de novo, quando nos cansamos de nós próprios. Quando chega? Para alguns, nunca, como para aquela simpática senhora que, com perto de noventa anos, para além das outras aulas que frequenta, foi aprender inglês para se entender com o computador. Para outros nunca. Nasceram velhos, azedos, insatisfeitos
Desde que tenham mais de 50 anos, o tópico das conversas de maior parte das pessoas é sempre o relato dos seus inúmeros padecimentos. Num café, num comboio num Centro Comercial, e especialmente num Centro de Saúde, se escutarmos com atenção, o que ouvimos é um extenso rol de enfermidades, desgostos e malfeitoria com que a vida os brindou.
Os meus 76 anos permitem-me figurar na" Galeria do Reumático" e como o meu C.V. comporta numerosos achaques +/- graves, posso pronunciar-me sobre a choraminguice dos meus pares.
Sempre que escuto esse narrar entusiástico (porque no fundo há muita satisfação na narrativa) de achaques e doenças, releio um livrinho de poucas folhas, (escrito 44 A.C) onde, além de me indicar que já nesse tempo havia pessoas queixosas e fatigantes o autor demonstra duma forma perfeita que os ressentidos, não é da velhice que devem queixar-se mas sim da maneira como se prepararam para a viver.
A velhice é natural, faz parte do ciclo da vida; nascer, amadurecer, morrer. Vê-la chegar deveria ser uma alegria pois é sinal que continuamos vivos. Além de me parecer que uma legião de centenários a ocupar juntamente com os que entretanto nasciam, cresciam e ficavam velhos, este pequeno planeta azul devia ser uma coisa muito incómoda.
Como é, que essas pessoas investiram nesse empreendimento que irá ocupar o tempo que lhe resta de vida? Primeiro, fisicamente. Os que agora se lamentam, comeram beberam, fumaram, sem a menor preocupação com o seu corpo. (mea culpa porque durante muitos anos também eu tive menos cuidados dos que os necessários) mas eu não acuso a velhice nem ou outros, pelos meus padecimentos.
Muitos culpam dos seus males, o rigoroso trabalho das suas vidas Pode ser uma razão, mas não a principal. Que dizer daqueles para quem o “trabalho rigoroso”foi passar os dias entre o não fazer nada e o nada fazer, dos seus empregos deslavados, ocupando o tempo entre desejar a hora do almoço e a ansiedade pela hora da partida.Por outro lado, ainda conheci um fogueiro dos antigos Navios a Vapor, que, com 92 anos, aparte os naturais achaques da idade, era um homem sadio e que lia o jornal sem óculos, sempre disposto a recordar com humor a sua infernal profissão (a propósito de tal profissão, lamento que ninguém a tenha descrito com rigor. Comparada com ela, qualquer outra, parece uma doce ocupação) Mas isto é quanto ao físico.
E quanto ao espírito? De que maneira empregaram o capital com que nasceram, para usufruírem mais tarde os rendimentos?
Concordo que o único momento da nossa vida, em que se vive com completa despreocupação é a meninice. E nem toda, porque esses pequenos seres que vivem dramaticamente por esse mundo, não se pode dizer que tenham uma infância.
Mas os privilegiadas, não se preocupam com nada: as alegrias são meteóricas, os raspanetes passageiros, não se interessam pelo passado nem se preocupam com o futuro, se alguma coisa os incomoda nunca é duma maneira definitiva.
Na adolescência vivemos a excitação do crescimento, na juventude o arquitectar de sonhos e desejos. Mais tarde preocupamo-nos com a profissão, a política, a religião, a competência para conviver, os lucros, as doenças. Já homens e mulheres adultos inquietamo-nos com o futuro, desejando às vezes o impossível: que ele seja proveitoso, ao nosso gosto, ao do nosso companheiro, de resultados rápidos na conclusão dos nossos anseios.
Assim sendo, como arranjar tempo para acumular tesouros de espírito, desenvolver o entendimento de modo a construir um mundo agradável e interessante para subsistir na velhice? Penso que é uma disposição que nasce connosco: ou se tem, ou não se tem. Como tudo o que nos diz respeito, é impressionada pelos genes que herdamos de antepassados prudentes e atilados, do ambiente em que fomos criados, do nosso gosto pelas coisas estáveis da vida, pela nossa teimosia em ligar o passado ao futuro;mas cada um de nós nasce .ou não. com a capacidade de encontrar satisfação nas pequenas e nas grandes coisas que o rodeiam.
Podem replicar: isso é para pessoas que nasceram agraciadas com condições superiores, onde tudo lhes foi facilitado pela educação, pela instrução, pela convivência com outros seres privilegiados. Nem sempre. Tive uma empregada que era analfabeta, e que nos deliciava com as histórias que ela inventava na altura. Não só eram histórias divertidas mas que terminavam sempre com sentenças morais. Era uma mulher que tinha uma particularidade: uma curiosidade insaciável sobre tudo o que a cercava, um interesse constante sobre as outras pessoas e uma compaixão muito grande pelas desgraças alheias. Não sabia ler, mas adorava de ouvir ler, não conhecia uma nota de música mas cantarolava o dia inteiro. As flores, as árvores, os animais da quinta onde vivíamos, eram tratados por ela com o mesmo carinho que dedica às pessoas. Quando lhe tocou a sua parte de infelicidade (o marido morreu num terrível desastre com uma máquina agrícola) aceitou-a o melhor que pode, embora com dor e lágrimas. E quando morreu, já perto dos oitenta anos, morreu feliz, porque devido ao seu feitio alegre, sempre contente, nada impertinente, os netos em vez de a evitarem, rodeavam-na esperando sempre as suas histórias, agora já algumas vezes repetidas.
Continua a fazer-me confusão e a aborrecer-me, ouvir lamentações de pessoas que só lhes falta um pouco de “sarna para se coçaram”, enquanto outras, com bem piores motivos vivem contentes e são uma fonte de alegria para os outros.
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