MEIA ESTAÇÃO


Tal como na época do natal retiro adornos, toalhas, a arvore, dos locais onde dormitam, chegou altura de ir ao baú tirar as roupas de verão e guardar as de inverno. Mas este ano tem estado difícil.
Tão depressa está um calor que convida às frescas blusas e saias leves, como na semana seguinte temos que enfiar o kispo e voltar a usar lãs. Tão depressa ansiamos pelos sapatos de tiras, como temos que voltar aos grossos sapatos de inverno. Foi então que recordei a classificação que a minha avó e tias davam às roupas desta época: roupa de “meia estação”.

Isto vem descansar o meu espírito, algo perturbado com a inconstância do tempo. Nas minhas cogitações eu via já o buraco do ozone alargando minuto a minuto, uma legião de icebergs navegando direitos a Paço de Arcos. Mais descansada, lembrei-me dos conselhos das gerações mais velhas, para esta altura :- leva um casaco de malha por cima da blusa e um casaco quente para o regresso.

Além de trocar as roupas de Inverno pelas de verão, há outra coisa que faço com elas: escolho as que irei levar à Misericórdia. Não porque estejam velhas ou muito usadas, mas porque, começando a tira-las do armário, para substitui-las por outras, vejo como tenho muito, demasiado até.
Faço então uma escolha, sossegando com isso a minha consciência e gostando de pensar que alguém irá sentir-se bem dentro delas.

Levo-as à Misericórdia, porque sei que ali cumprem as ordens de misericórdia temporais: dar de comer a quem tem fome; vestir os nus; dar pousada peregrinos. Embora os que ali todos os dias se acolhem, não estejam em peregrinação a qualquer santuário, andam em peregrinação pela Vida, o que é bem mais difícil. Desejo ao entregá-las, que alguma mulher que ali aparecer com as roupas há muito necessitadas de lixo fique mais confortável com as minhas roupas.

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