O RESCALDO
Uma enfermaria para doentes em estado mais ao menos grave. é uma Academia da Vida.
Depois de várias viagens, de casa para S. Francisco e de lá para o Egas Moniz fui finalmente colocada num espaço claro, limpo, junto de outras cinco mulheres (nos tempos que correm, até nos hospitais é melhor haver separação de sexos, nunca se sabe!)E ainda estava a remexer-me na cama, tão confortável comparada às macas por onde estivera, eis que aparece uma senhora doutora muito afável que me cumprimentou com um :- como está? (apeteceu-me responder-lhe Óptima!) que vinha explicar-me o que eu tivera :- um ataque de coração e que no dia seguinte, (estávamos num domingo ás onze da noite) o “meu” cardiologista viria visitar-me (fiquei tão encantada com a ideia de ter um cardiologista só meu, que adormeci imediatamente graças a um copo de leite quente e um abençoado comprimido para dormir.
No dia seguinte lá estava o “meu” cardiologista. Fazia parte da equipa do Dr Tal e estava encarregado do meu caso Foi muito mais explícito e amável do que a colega da noite interior (devia estar maçada por estar ali em vez se estar em casa) e lá me explicou o que tinha acontecido: - bla, bla bla, etc e tal.
Cheguei à conclusão que infelizmente, este órgão tão louvado em canções e poesias, centro na nossa tola imaginação dos mais belos assomos de lindas palavras ou de tempestuosas ciumeira é apenas uma bomba hidráulica, em que os tubos de saída são as artérias e os tubos de entrada as veias; o líquido que anda a circular é o sangue batendo 109.440 a 110.880 vezes por dia, bombeando aproximadamente 5 l de sangue, pesando umas miseras 280 a 340 gramas. E que o meu pensara que chegava de trabalhar para mim. Fiquei mais ao menos esclarecida, mas pensando como as pessoas são tolas, quando orgulhosamente se intitulam feitos à “Imagem de Deus, pouco inferiores aos anjos” . Maior parte de nós não imagina quanto esta máquina é perfeita e vulnerável. Quase sempre cuidamos dela muito pior do que dos abjectos que compramos Porque esses custam dinheiro e a Vida, aparentemente foi-nos oferecida de graça.
Mas voltando à vaca fria, ali estava eu, meia tonta, meio zangada por ainda não ter compreendido o que se passava comigo (os médicos, simpáticos, carinhosos, muito técnicos. são sempre tão subtis e nas explicações que nos dão!) sujeita a ser lavada,alimentada, rolada para um lado e para o outro da cama que os meus anjos de serviço, faziam impecavelmente, presa num rede de pensamentos curiosos sobre as minhas colegas em ciências renais, anemias, e velhotas, umas finas como corais que alguma coisa me ensinaram, outras senis, mas com enfermidades reais e senti, pela primeira vez, uma enorme piedade por aqueles pobres seres indefesos cujas famílias recorrem a tudo para os enviar para o hospital)
Que escola da vida e de desgraças que pode ser uma enfermaria!
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